quinta-feira, 3 de abril de 2014

406 norte


Tinha sido mais um dia daqueles difíceis, em que fui ao colégio pela manhã e passei a tarde numa biblioteca tentando não dormir e captar tudo que meu livro de história me contava. O que eu usualmente mais quero depois de um dia desses é seguir o caminho para casa, jogar ou dormir. Mas dessa vez não, o sol estava se pondo e me deu uma vontade de ir a um pub que ficava do lado de uma livraria que eu adoro. Comprei um livro, o primeiro de uma trilogia que nunca tinha ouvido falar, foi só para ter companhia na noite que se iniciava, no barzinho que estava ali do lado. Lá é um lugar bem tranquilo, menores podem frequentar tranquilamente. A música é de bom gosto, a comida é de fazer esquecer qualquer mau-humor e as mesas/sofás estão sempre lotados de pessoas, lendo, fuçando em seus respectivos note books, papeando ou simplesmente ali, olhando para o nada e pensando em tudo. Aquele pedaço de território é tão aconchegante que me faz sentir segura.
Demonstro ser mais nova do que minha idade exige. Mas tenho atitude, espero que isso recupere um pouco minha "maturidade" aparente. Cheguei lá, atraí alguns olhares curiosos que logo se desviaram e me senti solitária novamente. Ok. Estou acostumada. Minha intenção era sentar em algum sofá, mas estavam cheios, fiquei ali no balcão mesmo. Fiz o pedido habitual, e enquanto esperava, olhava fixamente para algum lugar, pensava em tanta coisa que nem notei que o foco do meu olhar eram um belo par de tênis meio desgastado, o  dono dele estava me olhando, foi o que deu pra perceber quando levantei o olhar. Então ele sorriu, eu sorri de volta, sem muita pretensão. Ele estava sózinho, vestia uma calça com uma camisa de uma banda que adoro e também usava um par de olhos que refletindo o finalzinho do sol, atingiam uma cor inexplicável, puxada para o verde. Estes, acompanhavam a leitura de um livro que estou há algum tempo querendo ler. *Enciumada por não ter aqueles olhos sobre mim, e sim sobre palavras.*
Desviei meu olhar, afastei aquele pensamento e comecei a ler meu livro novo. E quando menos esperei ele se aproximou - senti um frio na barriga - e então ele parou do meu lado, começou a pedir algo mais para beber - droga, mas é claro, você está no balcão, queria o que, que ele viesse até uma adolescente como você ? (voz do inconsciente) -. A música da vez era  Bleeding out - Imagine Dragons. Me conformei em não ser mulher suficiente para o homem que ele aparentava ser. Ainda perdida na minha imaginação pessimista, senti um perfume doce e amadeirado e junto, ouvi uma voz rígida e tão doce quanto o tal aroma, que então me disse: "Esse livro não é dos melhores." Ele disse insipidamente encarando a capa do meu livro. E então procurei os olhos dele, e não dei resposta, ele riu e continuou: "Você gosta dessa tipologia textual?", então finalmente minha voz resolveu entrar em ação, "Para ser sincera, mal li a descrição da contra-capa antes de comprá-lo, dessa vez eu julguei pela capa." Dali se desenvolveu uma conversa bem inusitada, um papo que nunca tive com ninguém. Garotos que sabem conversar atraem muito. Perdão, digo, homens.
Luca, 19 anos, engenharia na federal aqui da cidade. Das coisas que ele disse, a que me lembro com todos os acentos, vírgulas e charme foi: "Então é Anna com dois N, belo nome, combina com seu sorriso." Quando ele disse isso eu evitei sorrir, foi impossível, ele me olhou de maneira desafiadora. Foi também quando eu notei que ele ficou sabendo meu nome só naquela hora, e já tinham se passado duas horas de conversas, e ele só descobriu porque anotamos nossos nomes num livro de memórias do pub. Até então, ele só sabia minha idade, quase três anos mais jovem que ele. Eu estava ali, já fazendo história com um pseudo-desconhecido. Quão incrível pode ser comprar um livro e ganhar um beijo ?