
Às vezes ela chegava com aquele sorriso e cheia de coisas pra contar, um movimento novo das aulas de pole dance que ela, finalmente, conseguiu fazer. Novidades sobre o que queria fazer com o cabelo, sobre a vontade de sumir ou de como pensou num trocadilho legal. Noutras vezes, se largava no sofá, só tirava o sapato e ficava ali quietinha, brincando com meu cachorro, nunca me intrometi.
Achava infinitamente irritante, mas ao mesmo tempo engraçado, os pézinhos balançando de ansiedade ou preocupação. Quando eu ria meio contrariado ela esboçava um sorriso e depois voltava pro universo dos seus pensamentos, sem deixar escapar uma palavra sequer. Daí então levantava e se dirigia à sacada, ela imaginava (penso eu) milhares de coisas enquanto fitava o horizonte e fazia comentários sobre como somos miúdos perto da imensidão do mundo. Eu que me achava o todo poderoso baixava a guarda pra acompanhar os pensamentos loucos dela, entendê-la, e dizer que está tudo bem sermos pequenos e que, apesar de tudo, nossas próprias confusões nos confundiam e nos faziam achar que somos grandes. Ela sorria meio desconfortável, mas sorria e isso era valioso demais já que a humana me chegava aos prantos e com vontade de sumir da vida de todos, sem lembrar que eu faço parte desse todos.
Intensidade é o sobrenome dela. Sempre me abraçou como as pessoas abraçam forte antes de partir pra uma jornada sem volta. Sempre tive medo das intenções ocultas dela, tenho medo dos abraços, tenho medo que ela parta.